Já dizia Montesquieu “A Lei não é justa porque é Lei. É Lei
porque é Justa.”.
A edição de 13 de Agosto de 2012 do “Jornal de Negócios”
trouxe a lume um tema que, apesar da sua extrema relevância, por ventura (ou
por interesse….), anda arredado do conhecimento dos portugueses mas que, atenta
aquela que parece ser a interpretação dominante, acarreta graves problemas que
terão, calcula-se, muito penosa solução.
Em suma, segundo
o supra referido texto, baseado na Lei 54/2005, de 15 de Novembro, todos os proprietários
de prédios ribeirinhos, rústicos ou urbanos, situados nas margens quer do mar
quer de um rio, quer, ainda, de imóveis sobre as arribas devem, até 01 de
Janeiro de 2014, intentar uma acção judicial (de reivindicação) contra o Estado
para reconhecimento dessa mesma propriedade.
Segundo a
definição da própria lei, “margem” será a faixa de terreno, com uma largura de
50m, contígua e paralela ao limite do leito do mar, do rio ou, ainda, da linha
normal das areias da praia.
O fulcro da
questão em análise está no artigo 15.º da referida Lei 54/2005, de 15 de
Novembro, que prevê a obrigatoriedade dos proprietários privados terem de “(…) provar documentalmente que tais terrenos
eram, por título legítimo, objecto de propriedade particular ou comum antes de
31 de Dezembro de 1864 (…)”.
Assim, na falta
da referida acção judicial, o proprietário perderá, automaticamente, o seu
direito à propriedade sobre tais imóveis, sem qualquer indemnização.
Ora do nosso
ponto de vista, a interpretação – chamemos-lhe “conformista” – seguida por
parte significativa da praça jurídica patrícia, não pode colher.
Com efeito, e
salvo melhor opinião, é inconstitucional e juridicamente incompreensível a
disposição legal que prevê a possibilidade de perda do direito de propriedade
por simples decurso de prazo, ainda que legalmente imposto.
Vários são os
defeitos e erros da presente norma:
Em primeiro
lugar, interpretando a norma “a contrario”
resulta, como se disse, que quem não intentar a referida acção judicial ou
quem a intentar mas não lograr fazer esta verdadeira probatio diabolica verá perdida a sua propriedade a favor do Estado,
sem qualquer tipo de indemnização, pagamento ou ressarcimento. Ou seja, um
verdadeiro confisco, algo que contraria direitos fundamentais, designadamente o
Direito à propriedade privada, previsto no n.º 2 do artigo 62.º da Constituição
da República.Em segundo lugar, esta norma cria ónus desproporcionados para os cidadãos, senão vejamos:
Mesmo no caso irreal de todos os proprietários de imóveis nesta situação serem verdadeiros apaixonados pela História e terem em sua posse todos os documentos que comprovam a propriedade privada do mesmo desde 1864 – ou que, pelo menos, conheçam os meandros da Torre do Tombo, onde eventualmente se encontrará a documentação necessária – há que não esquecer todos os outros custos inerentes a uma acção deste género.
Pense-se, por
exemplo, nos custos com taxas de justiça, com Advogados, com tempo gasto na
pesquisa e preparação da acção, nos custos de tempo e dinheiro que o próprio
Estado irá ter, no acréscimo imenso de processos no já tão moroso sistema
judicial português...
Mais, terão
todos os visados por esta norma a capacidade económica para intentar uma acção
desta envergadura? A resposta é óbvia: Não!Mais ainda, esta Lei viola todos os mecanismos de publicidade e segurança jurídica conferidos pelo Registo, agora obrigatório. Existe segurança jurídica quando os actos públicos, cujo fundamento é (ou era?) garantir a validade e publicidade da propriedade, praticados perante Conservador ou Notário, são inutilizados por uma norma posterior ao próprio acto?
Pergunta-se: Consta
de algum registo predial, caderneta predial ou escritura pública de compra e
venda, um averbamento ou menção expressa que traduza a eventual falta de
propriedade do vendedor por não existir trato sucessivo desde 1864? Algum
cidadão foi alertado pelo Conservador, Notário, Câmara Municipal, ou por algum
organismo central, como a Autoridade Tributária e Aduaneira (anterior
Direcção-Geral das Contribuições e Impostos), para a existência desta norma
quando, em 2004, ou 2005, ou 2012, adquiriu um imóvel nas zonas abrangidas e
lhe foi garantido, pela intervenção de Notário ou Conservador e pela
publicidade inerente ao próprio Registo, que adquiria a propriedade sobre tal
imóvel?
Em acréscimo,
esta norma viola frontalmente o disposto no artigo 18.º da Constituição da
República, quando restringe abusivamente o direito à propriedade, e faz
impender sobre o cidadão, adquirente de boa-fé, um ónus excessivo e
praticamente impossível de suportar, ao exigir a prova de propriedade, mediante
trato sucessivo, desde 1864.
E como resolver
este problema?
Porque não
permitir a prova da propriedade mediante simples apresentação de escritura
pública de compra e venda dos bens? Ou da inscrição/averbamento do imóvel no
Registo Predial a favor do proprietário, com anterioridade a 1 de Janeiro de
2014? Porque não inverter o ónus da prova, e competir ao Estado provar que em
1864 o terreno não era privado?
Assim, e em
conclusão, há que proceder a uma urgente alteração legislativa que permita acima
de tudo, proteger o cidadão, através de um consenso, entre interesse público e
propriedade privada, abdicando-se do método sinistro e obscuro que esta lei,
através do desconhecimento, e de má-fé, impõe ao cidadão em benefício
desproporcional a favor do Estado.
Caso nada, com
alguma urgência, se faça, este é mais um caso de Lei injusta, violadora dos
cidadãos e dos seus direitos, contrariando aquele que deveria ser o objectivo
último do Legislador – salvaguardar o cidadão.
Afinal, como bem
dizia Balzac, “Administração é a arte de aplicar as Leis sem lesar os
interesses.”. Ou deveria ser… Os
será que esse belo princípio só será aplicável em França?
Antes que seja tarde, os proprietários de
imóveis ribeirinhos têm que agir. Devem, pois, apresentar acções judiciais
contra o Estado antes de 1 de Janeiro de 2014. Dada a sua complexidade, há que
preparar cuidadosamente tais acções judiciais.
Vidas de trabalho árduo e patrimónios de
gerações estão em perigo e um Estado voraz e sem vergonha prepara-se para mais
uma vez esbulhar, confiscar e ludibriar os cidadãos e empresas incautos!
Paulino Brilhante Santos Ivo
Aguiar Nogueira